RECURSO – Documento:6911162 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5005666-93.2023.8.24.0082/SC RELATOR: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO RELATÓRIO Na comarca da Capital, o Ministério Público ofereceu denúncia contra M. D. C. (evento 1, DENUNCIA1), tendo o processo tramitado conforme relatado na sentença, cuja parte dispositiva se transcreve (evento 127, SENT1): Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos da denúncia para, em consequência CONDENAR o réu M. D. C. ao cumprimento da pena de 2 (dois) meses e 27 (vinte e sete) dias de detenção e 11 (onze) dias-multa, por infração aos art. 330 do Código Penal.
(TJSC; Processo nº 5005666-93.2023.8.24.0082; Recurso: recurso; Relator: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 12 de setembro de 2022)
Texto completo da decisão
Documento:6911162 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5005666-93.2023.8.24.0082/SC
RELATOR: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO
RELATÓRIO
Na comarca da Capital, o Ministério Público ofereceu denúncia contra M. D. C. (evento 1, DENUNCIA1), tendo o processo tramitado conforme relatado na sentença, cuja parte dispositiva se transcreve (evento 127, SENT1):
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos da denúncia para, em consequência CONDENAR o réu M. D. C. ao cumprimento da pena de 2 (dois) meses e 27 (vinte e sete) dias de detenção e 11 (onze) dias-multa, por infração aos art. 330 do Código Penal.
Estabeleço o valor de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Considerando o quantitativo da pena, as circunstâncias judiciais favoráveis e que se trata de acusado primário, a pena deverá ser cumprida em regime inicial aberto, nos termos do art. 33, §2º, "c", do Código Penal.
No caso, ainda que a pena privativa de liberdade foi fixada abaixo dos 4 (quatro) anos, o crime foi cometido mediante violência, de modo que não é indicada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas.
Embora não preenchidos os requisitos do art. 44 do CP, é possível a aplicação da suspensão condicional da pena, nos termos do art. 77 do CP.
Assim, suspendo a pena imposta ao acusado pelo prazo de 2 (dois) anos, devendo o réu, diante das circunstâncias favoráveis, nos termos do art. 78, §º 2º, se submeter às seguintes condições: 1) não se ausentar da comarca em que reside por mais de trinta dias sem comunicação ao juízo da execução; 2) informar eventual mudança de endereço e telefone; 3) comparecimento mensal em juízo.
Não estão presentes os requisitos para prisão cautelar, razão pela qual autorizo o recurso em liberdade.
Isento custas processuais (art. 804 do CPP), uma vez que foi assistido pela Defensoria Pública nos autos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. [...].
Não resignado, o réu interpôs apelação (evento 135, APELAÇÃO1). Em suas razões, preliminarmente, arguiu a nulidade da condenação pelo crime desobediência, em razão da violação ao princípio da correlação. No mérito, requereu: 1) a absolvição do crime de resistência, por atipicidade da conduta, e do crime de desobediência, por ausência de dolo; e 2) a aplicação do princípio da consunção entre os delitos (evento 135, APELAÇÃO1).
Foram apresentadas contrarrazões (evento 144, PROMOÇÃO1).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Paulo de Tarso Brandão, que opinou pelo não provimento do recurso e, de ofício, pela exclusão do acréscimo pelos maus antecedentes (evento 8, PARECER1).
VOTO
1 Nulidade da sentença - violação ao princípio da correlação
Preliminarmente, o réu suscitou a nulidade da sentença por afronta ao princípio da correlação, pois foi condenado por crime diverso daquele imputado pelo Ministério Público na denúncia, qual seja, art. 330 do Código Penal.
Todavia, a preliminar não deve ser acolhida.
Isso porque da leitura da denúncia (evento 1, DENUNCIA1) é possível identificar a descrição de todos os crimes pelos quais o réu foi condenado (resistência e desobediência), ainda que a capitulação contida na peça inaugural tenha se limitado ao crime disposto no art. 329, caput, do Código Penal.
Ademais, o réu se defende dos fatos descritos na denúncia e não da capitulação atribuída pelo Ministério Público. Os tipos penais descritos na exordial acusatória podem sofrer modificações durante o julgamento, caso o magistrado considere necessário para a melhor adequação ao caso em questão.
Sobre o assunto já se decidiu:
APELAÇÕES CRIMINAIS - PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA MAJORADA (LEI N. 12.850/13, ART. 2º, §§ 2º E 4º, INCISOS I E IV) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - INSURGÊNCIAS DEFENSIVAS. PRELIMINARES - LITISPENDÊNCIA - ALEGAÇÃO DE DUPLA PUNIÇÃO EM DECORRÊNCIA DE AÇÃO PENAL PRETÉRITA - NÃO CONFIGURAÇÃO - PERÍODOS DISTINTOS - AVENTADA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO - INOCORRÊNCIA - PEÇA ACUSATÓRIA QUE DESCREVE A CAUSA DE AUMENTO DESCRITA NO ART. 2º, § 4º, IV, DA LEI N. 12.850/13 - EMENDATIO LIBELLI OBSERVADA - ACUSADO QUE SE DEFENDE DOS FATOS E NÃO DA CAPITULAÇÃO LEGAL CONTIDA NA DENÚNCIA - FATOS DEVIDAMENTE DESCRITOS EM EXORDIAL ACUSATÓRIA - CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA PRESERVADOS (TJSC, Apelação Criminal n. 0012632-19.2018.8.24.0023, rela. Desa. Salete Silva Sommariva, deste Órgão Fracionário, j. em 24.08.2021 - sem destaque no original).
A preliminar, portanto, deve ser afastada.
2 Absolvição
No mérito, requer o acusado a absolvição do crime de resistência, por atipicidade da conduta, e do crime de desobediência, por ausência de dolo.
Todavia, os pleitos não comportam acolhimento, como bem asseverado pelo Procurador de Justiça Paulo de Tarso Brandão, a quem se pede vênia para transcrever excerto de seu parecer, adotando-o como parte das razões de decidir (evento 8, PARECER1):
O Ministério Público desceveu na denúncia que no dia 12 de setembro de 2022, por volta das 22h45, policiais militares foram até o Comitê/Diretório do partido político a que o acusado M. D. C. é filiado, localizado na Avenida Governador Ivo Silveira, Bairro Capoeiras, em Florianópolis, para atender a uma ocorrência de perturbação do sossego e ameaça. Na ocasião, os agentes públicos foram até o veículo do acusado, solicitaram sua identificação e ordenaram que ele se retirasse do local. O denunciado, no entanto, não acatou as ordens e fechou o vidro do seu automóvel, argumentando que estava em uma ligação telefônica. Após ouvirem as demais pessoas presentes no local, os policiais retornaram ao veículo de Maikon e ordenaram novamente que ele fornecesse sua identificação e, na sequência, fosse embora do diretório. O denunciado continuou desobedecendo às ordens policiais e, por isso, tiveram que acionar outra guarnição para prestar apoio à ocorrência. Os agentes públicos tentaram nova aproximação do automóvel do réu e, nesse momento, Maikon abriu a porta e avançou contra os policiais, ameaçando o policial Anderson José Leandro com os seguintes dizeres: "tu vais me prender?" e "tu não sabe com que está se metendo, vais te incomodar". Na sequência, os agentes tiveram que realizar a contenção e a imobilização de Maikon, que passou a desferir chutes contra eles e conseguiu acertar o policial Anderson com um dos golpes. Por esses fatos, Maikon foi denunciado pela prática do crime descrito no artigo 329 do Código Penal (Evento 1, DENUNCIA1, dos autos originários).
Na audiência de instrução, os policiais militares Anderson José Leandro e Quizay Ouriques dos Santos relataram que a guarnição foi acionada para atender a uma ocorrência de perturbação do sossego na sede de um partido político. No local os solicitantes informaram que o espaço era privado e Maikon tinha sido convidado a se retirar do comitê. O réu alegava que estava no local para uma reunião, porém o pessoal do partido informou que esse encontro não ocorreria. Maikon, no entanto, não queria ir embora. Diante desses fatos, foram até o veículo do acusado e solicitaram a sua identificação, mas ele evitou o contato com a guarnição e disse que estava em uma ligação telefônica. Posteriormente, Maikon se recusou a fornecer qualquer tipo de documento de identificação. Também pediram que ele saísse do seu automóvel, mas as ordens não foram obedecidas. Mesmo após a chegada do Sargento Anderson, responsável pelo policiamento naquele dia, o denunciado continuou relutante, afirmando que os policiais "não sabiam com quem estavam se metendo". Maikon chegou a ligar para o então candidato Jorginho Mello na tentativa de mostrar sua alegada "influência política". O próprio candidato, no entanto, pediu que ele se retirasse do local. Solicitaram novamente os documentos de identificação de Maikon para o registro da ocorrência, porém o pedido foi negado mais uma vez. Ao desligar a chamada com o candidato Jorginho, o acusado começou a gravar a ocorrência com o seu próprio telefone e bateu com o aparelho no rosto do policial Anderson, quando foi dada a ordem de prisão em razão da recusa e iniciada a sua imobilização. Tiveram que utilizar de força física para contêlo, inclusive com a colocação de duas algemas. Maikon sofreu alguns machucados durante a imobilização. Ao ser conduzido para a caixa de transportes da viatura, o denunciado também desferiu chutes contra o policial Anderson.
No mesmo sentido foram os relatos das testemunhas Danieli Branger Pinheiro Porporatti, Natan Marcondes Monteiro Osório e Israel dos Santos Dias. Afirmaram que o local era o comitê de campanha do candidato Jorginho Mello e que a maior parte do trabalho ali realizado era interno. O material de campanha era entregue durante o horário comercial e na parte da noite eram feitas reuniões e deliberações internas. Naquele dia, Maikon foi até o local e se apresentou como vereador para conseguir entrar no estacionamento, alegando que teria uma reunião com o candidato Jorginho Mello. Mesmo após a explicação do vigilante Israel de que não havia mais ninguém no local e que o estacionamento precisava ser fechado, o acusado permaneceu no pátio e se recusou a ir embora. Após, Natan repassou ao vigia a informação de que Maikon não era bem-vindo no comitê e que não havia qualquer reunião marcada. Como o réu já tinha aparecido no local durante a tarde, quando jogou um maço de "santinhos" no rosto de Danieli, resolveram acionar a Polícia Militar. Após a chegada da guarnição, os agentes pediram que ele saísse do pátio, porque era uma propriedade privada, mas Maikon não acatou a ordem. Ele foi agressivo e afirmou que não iria embora. Os policiais, então, pediram o apoio de outra guarnição. Durante a ocorrência, o acusado tentou se impor perante os policiais, alegando que teria "conhecimentos" e que eles "não sabiam com quem estavam mexendo". Maikon também permaneceu em uma ligação telefônica durante a abordagem. Em uma das aproximações dos agentes, o réu insistiu em desobedecer as ordens e fechou o vidro do seu automóvel "de uma forma desrespeitosa". Na sequência, ele abriu a porta do veículo e avançou contra os policiais de maneira agressiva. Maikon foi preso e resistiu à execução do ato, empurrando os agentes públicos, se debatendo e desferindo chutes.
Em juízo, a testemunha Luciano Medeiros de Oliveira contou que estava acompanhado de Maikon naquele dia e ele insistiu para realizar a reunião porque estaria em contato direto com a assessoria do então candidato Jorginho Mello. Ao chegarem no comitê de campanha, o portão foi aberto e somente depois pediram para que fossem embora. O acusado queria aguardar a chegada do candidato Jorginho dentro do imóvel porque havia uma denúncia de tráfico naquela localidade e ficariam "incomodados" com a sua presença na região. Maikon teria recebido ameaças de morte em razão da realização de algumas ações políticas e outras demandas ambientais que teriam afetado o "pessoal do tráfico" daquela área. Mesmo diante da justificativa apresentada, o segurança do comitê acionou a Polícia Militar. Os policiais que foram até o local estavam tranquilos, apenas o Sargento Anderson é que estava alterado. Acredita que Maikon tenha fornecido verbalmente sua identificação três vezes e os agentes públicos, inclusive, o cumprimentaram pelo nome. Durante a ocorrência, o acusado telefonou para Jorginho Mello e ele desmarcou a reunião previamente marcada. Foi a partir desse momento que o Sargento teria se sentido "encorajado" para mandar Maikon sair do local. O policial obrigou que o denunciado fornecesse um documento de identificação e se ele não cumprisse a ordem seria preso. Maikon desembarcou do veículo com o celular na mão e o policial, então, deu um tapa no aparelho. A ordem de prisão foi dada no momento em que o réu tentou pegar o telefone novamente. Negou que Maikon tenha agredido o policial, mas confirmou que ele não se entregou e não virou de costas para ser algemado. Ao final, disse não ter visto Maikon dando pontapés e socos ao ser colocado na viatura.
No interrogatório judicial, o acusado Maikon alegou que era candidato à Deputado Estadual na coligação do então Senador Jorginho Mello e estava auxiliando o candidato na região sul de Florianópolis. Naquela época, tinha solicitado uma reunião com o candidato para verificar sua situação no partido e foi até o comitê para isso. Assim que as primeiras viaturas chegaram, forneceu sua identificação e explicou que estava aguardando no interior do imóvel porque poderia sofrer represálias na região em razão do seu trabalho no combate às ocupações irregulares do Morro do Horácio. Estava com os vidros do seu veículo fechados antes da chegada da polícia porque tentava fazer uma ligação telefônica. Pediu aos agentes que eles dissessem o nome do comunicante da ocorrência, porém eles se recusaram a fornecer essa informação. Quando conseguiu entrar em contato com o candidato Jorginho, saiu do automóvel para gravar a ocorrência e informar ao policial que estava indo embora. Foi nesse momento que um dos agentes deu um tapa no seu telefone. Ao tentar juntar o aparelho, foi golpeado com um mata-leão e acabou desmaiando. Não soube dizer o que aconteceu depois disso. Ficou com um calo na região da garganta em razão da contenção policial. Foi torturado psicológica e fisicamente dentro da viatura e permaneceu no veículo por aproximadamente três horas. Não tentou intimidar o policial Anderson ou utilizar de sua posição de vereador para ameaçá-lo, apenas queria que eles seguissem o procedimento padrão e informassem o nome do comunicante da ocorrência.
[...]
Não houve impugnação da materialidade e da autoria e, não havendo ilegalidade flagrante na condenação, os tópicos não serão objeto de análise.
[...]
Com relação ao crime de desobediência, para que a conduta se adeque ao tipo objetivo, Cezar Roberto Bitencourt leciona que "é necessário que se trate de ordem, e não de mero pedido ou solicitação, e que essa ordem dirija-se expressamente a quem tenha o dever jurídico de obedecê-la [...]" (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 5. 12ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 211).
No caso dos autos, os relatos dos agentes públicos e das testemunhas ouvidas em juízo foram firmes e uníssonos no sentido de que Maikon desobedeceu às ordens legais dos policiais, ao se recusar a ir embora do imóvel particular do partido político e negar o fornecimento de seus documentos e dados pessoais para a qualificação e registro da ocorrência.
Os depoimentos foram corroborados pelos vídeos das câmeras policiais que registraram os momentos em que os agentes públicos conversaram com os responsáveis pela propriedade, que os informaram sobre os comportamentos anteriores de Maikon e solicitaram a sua retirada do local. Na sequência, os policiais ordenaram mais de 10 vezes para que o acusado saísse do local e fornecesse seus documentos para identificação, porém todas as ordens foram ignoradas e desobedecidas. Mesmo depois de já ter sido detido e colocado no compartimento de presos da viatura policial, Maikon se recusou a fornecer sua qualificação (Evento 17, VIDEO1-4, do inquérito).
A alegação do apelante, no sentido de que as ordens eram ilegais pois tinha direito de estar naquele local por ser coproprietário do imóvel, está isolada e não encontra respaldo nas demais provas dos autos. Os próprios funcionários do diretório do partido político relataram aos policiais que além de não haver qualquer informação de que Maikon também fosse proprietário do prédio, o acusado já tinha apresentado comportamentos agressivos em outras oportunidades e todos estavam receosos com a sua presença no local.
De outro lado, não há dúvidas de que o réu agiu com dolo de desobedecer às ordens legais, pois mesmo quando um dos policiais informou a ele que "eles não querem tu aqui", em referência aos demais funcionários do diretório, Maikon respondeu "então é mais um motivo para eu estar aqui" (Evento 17, VIDEO1, do inquérito).
Há provas suficientes de que Maikon agiu com dolo e, portanto, deve ser mantida a sua condenação pela prática do crime previsto no artigo 330 do Código Penal.
Sobre o crime de resistência, Cezar Roberto Bitencourt diz em que consiste a adequação típica: Opor-se à execução de ato legal exige uma conduta ativa, positiva e efetiva, sendo insuficiente uma atitude passiva, contemplativa ou omissiva, pois configuraria, no máximo, a desobediência, que poderia tipificar o crime descrito no art. 330. A locução – mediante violência ou ameaça – destaca não apenas o meio e a forma que a oposição deve revestir-se, como deixa claro que não admite a simples passividade, como, por exemplo, jogar-se ao solo, agarrar-se em algum obstáculo ou simplesmente pôr-se em fuga para evitar a prisão. [...] A violência exigida pelo tipo penal tanto pode ser a física – vis corporalis – como a moral – vis compulsiva –, que deve ser praticada em oposição e concomitante ao exercício do ato funcional que se quer resistir. A violência física consiste no emprego de força contra o funcionário ou seu assistente. Para caracterizá-la é suficiente que ocorra lesão corporal leve ou simples vias de fato. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 3. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 201-202).
No caso em análise, os depoimentos prestados pelos policiais militares e pelas testemunhas que estavam presentes no momento da ocorrência comprovaram que o acusado opô-se de forma ativa às ordens dos agentes, por meio de violência e grave ameaça, consistentes em chutes contra os agentes públicos e afirmações semelhantes a "você não sabe com quem está mexendo", em clara tentativa de intimidação ressaltando o cargo público ocupado por ele à época dos fatos.
Os relatos judicias estão em consonância com o boletim de ocorrência e os vídeos das câmeras policiais, que registraram o momento em que Maikon resistiu à colocação das algemas e à condução para a caixa de transportes da viatura, desferindo chutes e empurrões contra os agentes públicos (Evento 17, VIDEO2-3, do inquérito), o que agrega credibilidade à prova oral dos autos.
O delito se consumou no momento em que o acusado se opôs, ativamente, mediante violência e grave ameaça, à execução das ordens dos agentes públicos competentes.
A ação do recorrente amolda-se perfeitamente ao tipo penal do artigo 330 do Código Penal e, por isso, não é possível acolher o pleito absolutório.
Diante do conjunto probatório firme e harmônico, corroborado por testemunhos dos agentes policiais e registros audiovisuais, não há como acolher os argumentos defensivos de atipicidade da conduta quanto ao crime de resistência, tampouco de ausência de dolo no delito de desobediência.
Isso porque, no que se refere ao crime de resistência, ficou devidamente comprovado que o acusado não apenas se opôs à atuação legal dos agentes públicos, mas o fez de forma ativa e violenta, desferindo chutes e empurrões contra os policiais no momento da imobilização, além de proferir ameaças, conduta que ultrapassa a mera passividade e se amolda com precisão ao tipo penal descrito no art. 329, caput, do Código Penal.
Por sua vez, em relação ao crime de desobediência, os elementos dos autos demonstram que o réu, de forma reiterada e consciente, recusou-se a cumprir ordens legítimas da autoridade policial (como fornecer sua identificação e se retirar de propriedade privada), mesmo após diversas advertências, evidenciando o dolo específico exigido pelo artigo 330 do Código Penal.
As versões defensivas, além de isoladas, não encontram respaldo no conjunto das provas, que indicam um comportamento deliberadamente desafiador e intimidador por parte do réu.
Assim, estando plenamente preenchidas as elementares dos crimes previstos nos arts. 329, caput, e 330 do Código Penal, bem como comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, a manutenção da sentença condenatória é medida que se impõe.
3 Princípio da consunção
O recorrente pleiteia, ainda, a absorção do delito de desobediência pelo crime de resistência, "visto que, inegavelmente, as condutas foram praticadas dentro de um mesmo contexto fático e com unidade de desígnios" (evento 135, APELAÇÃO1 - pág. 13).
Contudo, razão não lhe assiste.
Isso porque estamos diante de condutas autônomas e independentes, tendo em vista que a desobediência não é meio necessário para consumação do crime de resistência, não havendo falar, portanto, em aplicação do princípio da consunção.
No ponto, impende colacionar trecho do parecer ministerial (evento 8, PARECER1):
A prova oral dos autos e os vídeos das câmeras policiais não deixam dúvidas de que a desobediência às ordens ocorreu antes de o réu empregar violência para se opor à execução de ato legal. O recorrente desobedeceu aos agentes desde o início da ocorrência e a resistência ocorreu posteriormente, quando ele já estava detido e sendo colocado na caixa de transportes da viatura.
Embora tenham ocorrido no mesmo contexto fático, as ações foram praticadas em momentos distintos e mediante mais de uma ação. Para além disso, os delitos são autônomos, atentam contra bens jurídicos distintos e se consumam em momentos diversos (TJSC, Apelação Criminal n. 0000944-78.2018.8.24.0017, rel. Paulo Roberto Sartorato, Primeira Câmara Criminal, j. 13-6-2024).
Portanto, inviável acolher o pleito recursal de aplicação da consunção.
Assim, por estar evidenciado que as condutas foram praticadas em momentos distintos e uma não é meio da outra, deve ser mantido o concurso material de crimes aplicado na sentença.
4 Dosimetria
Por fim, o Procurador de Justiça Paulo de Tarso Brandão manifestou-se pelo afastamento, de ofício, do reconhecimento dos maus antecendentes.
Nesse ponto, importa registrar que não se desconhece de corrente doutrinária e jurisprudencial, na linha defendida pelo eminente procurador, que entende não ser correta a utilização de condenação anterior para agravar a pena do réu, por importar em dupla valoração de anterior condenação.
Todavia, com a devida vênia, entendo que não há equívoco em se valorar condenações anteriores na dosimetria da pena do novo crime. Com efeito, merece maior reprovação a conduta daquele que, já condenado em momento anterior, torna a cometer novo delito.
E isso porque uma das consequências dos maus antecedentes e/ou da reincidência é a de ter efeitos na individualização da pena a ser aplicada pelo cometimento de novo crime.
Segundo se extrai da doutrina de Celso Delmanto:
O fato do reincidente ser punido mais gravemente do que o primário é, a nosso ver, justificável, não havendo violação à Constituição da República e à garantia do ne bis in idem, de que ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato. Com efeito, se é certo que ao cumprir integralmente a pena imposta pela prática de determinado delito, o condenado, em razão desse fato, não pode ser punido novamente, a valoração da reincidência para fins de aumento de pena em relação a um novo crime cometido pelo sujeito, em prazo inferior a cinco anos (CP, art. 64) e não tendo sido ele reabilitado (CP, arts. 93 e 94), diz, em nosso entendimento, com a maior reprovabilidade de sua conduta em relação ao novo crime (cf., nesse sentido, STJ, HC 776.996, RT 850/560), já que reiteradamente vem desprezando os valores essenciais da sociedade emque vive (a vida, a liberdade etc.). O agravamento da pena em razão da reincidência, portanto, não se confunde com a dupla punição em relação ao crime anterior e, tampouco, com "maior juízo de periculosidade" do sujeito. Há, sim, uma maior reprovabilidade de sua conduta ao violar a lei penal de forma reiterada. Pelo contrário, até por uma questão de justiça, não seria proporcional que o criminoso primário receba, pelo mesmo fato, idêntica pena em relação àquele que é contumaz violador da lei penal. Não vemos, assim, a reincidência como sendo um instituto não recepcionado pela Constituição da República de 1988; afinal, quando se julga um crime, não se julga um fato frio, estático, descrito na denúncia; julga-se um ser humano que praticou um fato criminoso (Código penal comentado. 7. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 207-208).
Comungando desse entendimento e assentando a recepção, pela Constituição Federal, do art. 61, I, do Código Penal, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 453.000/RS, em aresto da lavra do Min. Marco Aurélio, decidiu ser constitucional a aplicação da reincidência como agravante da pena em processos criminais, por entender que o instituto constitucional da individualização da pena respalda a consideração da reincidência, evitando a colocação de situações desiguais no mesmo nível:
AGRAVANTE – REINCIDÊNCIA – CONSTITUCIONALIDADE – Surge harmônico com a Constituição Federal o inciso I do artigo 61 do Código Penal, no que prevê, como agravante, a reincidência (Recurso Extraordinário n. 453.000/RS, rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. em 4.4.2013).
Nesse mesmo sentido, colhe-se julgado do Superior , rel. Norival Acácio Engel, Segunda Câmara Criminal, j. 22-08-2023 - sem grifos no original).
Sem embargo disso, não se pode descurar, também, que a Constituição Federal, visando à garantia de perpetuidade do Estado Democrático de Direito, é um todo harmônico, impossibilitando a interpretação de forma isolada, motivo pelo qual deve o operador do direito, desse modo, captar a harmonia e a unidade do ordenamento constitucional, conforme se extrai do princípio da "unidade da Constituição".
Assim, com base nessa unidade, não se pode sobrepor o princípio da presunção do estado de inocência ao da individualização da pena, pois ambos devem ser tratados com a mesma dignidade constitucional, podendo a aparente contradição ser colmatada de forma a considerar que o primeiro rege o caso até a comprovação da culpabilidade do agente que praticou o delito. E, demonstrada a sua responsabilidade penal, passa-se, então, à aplicação do segundo princípio, pelo qual o magistrado deve aplicar o quantum de pena que, no caso concreto, não iguale réus em situações desiguais, na medida de sua desigualdade (princípio decorrente da isonomia substancial).
Portanto, com a devida vênia, não há falar em inconstitucionalidade do aumento decorrente pelos maus antecedentes.
5 Diante do exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso.
assinado por ROBERTO LUCAS PACHECO, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6911162v28 e do código CRC 657f3294.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROBERTO LUCAS PACHECO
Data e Hora: 12/11/2025, às 15:04:21
5005666-93.2023.8.24.0082 6911162 .V28
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 12:38:35.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
Documento:6911163 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Criminal Nº 5005666-93.2023.8.24.0082/SC
RELATOR: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMEs CONTRA a administração em geral. resistência e desobediência (CP, arts. 329, caput, e 330). sentença condenatória. recurso do réu.
Preliminar. NULIDADE DA SENTENÇA. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA QUE DEU NOVA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA AOS FATOS DESCRITOS NA DENÚNCIA. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 383. RÉU QUE SE DEFENDE DOS FATOS DESCRITOS NA DENÚNCIA E NÃO DE SUA CAPITULAÇÃO. PREFACIAL AFASTADA.
mérito. absolvição por ATIPICIDADE DA CONDUTA E AUSÊNCIA DE DOLO. IMPOSSIBILIDADE. PROVAS FIRMES E COERENTES. TESTEMUNHOS dos agentes Policias CORROBORADOS POR VÍDEOS. ORDEM LEGÍTIMA E DESCUMPRIMENTO DELIBERADO. OPOSIÇÃO ATIVA MEDIANTE VIOLÊNCIA. condenação mantida.
PRETENDIDA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. NÃO CABIMENTO. CONDUTAS PRATICADAS EM MOMENTOS DISTINTOS. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. DELITO QUE NÃO É MEIO PARA A PRÁTICA DO OUTRO. CONCURSO MATERIAL APLICADO CORRETAMENTE.
MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA. DOSIMETRIA. MAUS ANTECEDENTES. AFASTAMENTO. AVENTADA DUPLA VALORAÇÃO DA CONDENAÇÃO ANTERIOR. NÃO ACOLHIMENTO. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE RECONHECIDAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. PENA MANTIDA.
recurso não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 18 de novembro de 2025.
assinado por ROBERTO LUCAS PACHECO, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6911163v10 e do código CRC 118924ee.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROBERTO LUCAS PACHECO
Data e Hora: 12/11/2025, às 15:04:21
5005666-93.2023.8.24.0082 6911163 .V10
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 12:38:35.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas
Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 18/11/2025
Apelação Criminal Nº 5005666-93.2023.8.24.0082/SC
RELATOR: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO
PRESIDENTE: Desembargadora HILDEMAR MENEGUZZI DE CARVALHO
PROCURADOR(A): ARY CAPELLA NETO
Certifico que este processo foi incluído como item 11 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 15:27.
Certifico que a 2ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 2ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO
Votante: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO
Votante: Desembargador SÉRGIO RIZELO
Votante: Desembargador NORIVAL ACÁCIO ENGEL
RAMON MACHADO DA SILVA
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 12:38:35.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas